LIVROS 5 ESTRELAS - XXIX
VERGONHAÇAS E REMORSOS...
Que vergonha, melhor dito, uma vergonhaça, pensei para mim enquanto me deixava escorregar pela cadeira do auditório abaixo numa ridícula tentativa de desaparecer num mágico fumo de ilusionista, seria eu a única alminha ali presente naquela sessão dos "Livros a Oeste" que, vá lá saber-se porquê, não tinha lido o fabuloso romance de estreia de Valter Hugo Mãe que foi galardoado com o Prémio José Saramago... Todos reconheciam a genialidade em "O remorso de baltazar serapião", até o próprio Saramago que prefaciou a obra e onde afirmou categoricamente que aquele livro era um tsunami! Um marco fundamental na literatura portuguesa contemporânea, todos juravam e mais juras não eram necessárias pois se até o mestre tinha ficado deslumbrado com a obra que melhor atestado de qualidade se poderia obter?
"Basta ler a primeira página, a primeira palavra, sentir a primeira respiração. É um livro diferente. A sensação que esta obra me dá, além do ímpeto arrasador e ao mesmo tempo construtor de algum elo, é a de estar a assistir a um novo parto da língua portuguesa, um nascimento de si mesma." (José Saramago)
E pronto, não dormi sossegado, na manhã seguinte bem cedo era eu o primeiro a entrar na Biblioteca Municipal da Lourinhã e com um único e desesperado intuito, requisitar o famigerado livro... E agora aqui estou sentado no rebordo de um muro antigo da Quinta do Prior, bafejado pela sombra de uma velha árvore e a este abençoado recanto não chega o barulho dos carros apressados ao virar da curva do caminho, aguardo que termine o transplante do pára-brisas do velhinho Corsa, operação delicada e com riscos mas que lhe pode dar mais um ou dois anos de vida e para passar as duas horas de espera devoro os últimos e breves capítulos da aventura do Serapião, esse homem que ao casar com a moça mais bonita da sua terra se deixou corromper até ao tutano pelo preconceito e pela machista tradição... Assim, contas feitas, precisei apenas de dois dias intermitentes para a integral leitura e, de facto, o romance é ainda um tsunami passada década e meia sobre o seu parto... Hoje sinto-me muito melhor, como alguém que ao corrigir um erro enorme do seu passado tivesse agora uma segunda oportunidade, conhecer a obra de uma grande escritor.
João Vírgula
(Leitor de Valmedo)
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