segunda-feira, 16 de maio de 2022

 

E VEIO O DIA DE SARAMAGO...


A tarde encalorou-se, (e sublinho propositadamente esta palavra inventada por mim e ilegal que não faz parte de qualquer dicionário da língua lusa porque acho que o mestre iria ficar tocado com isso, ele que era atreito à desmontagem do rígido cânone da gramática portuguesa) e trouxe à Biblioteca Municipal João Céu e Silva, jornalista de longa data e jovem romancista, autor duma interessante série de entrevistas biográficas intitulada  "Uma longa Viagem com..." e que vem viajando há uns anos com personagens como Álvaro Cunhal, Manuel Alegre, António Lobo Antunes ou Vasco Pulido Valente, por exemplo... E claro também fez uma longa viagem com o homenageado do dia, José Saramago, lembrando e festejando à priori o centenário do seu nascimento...






Mas também apareceu o Miguel Real, escritor, ensaísta e professor de filosofia e repetente nos "Livros a Oeste" e que já por aqui tinha passado em edições anteriores para discorrer sobre a teoria e os fundamentos do mal... Claro que com a intermediação do João Morales a coisa prometia e não desiludiu, conversa escorreita e muito interessante e que premiou os presentes com algumas pérolas, ficamos a saber, por delicioso exemplo, que João Céu e Silva foi escorraçado por um Saramago adoentado e com pouca paciência para entrevistas: "Homem, agora não, volte daqui a dez meses!" O Silva, que morava a apenas 150 metros do Nobel, pacientemente esperou e no exacto dia em que passavam os tais dez meses voltou a bater à porta de Saramago e então lá conseguiu a entrevista, mas foram precisos ainda mais dois anos de conversas aos bochechos... 





E depois ao serão fomos iluminados pelo erudito Guilherme D'Oliveira Martins e pelo simpático e mediático jornalista Carlos Vaz Marques com mais algumas pérolas sobre o nosso Nobel, sabiam que até aos dezoito anos de idade Saramago nunca teve um livro e que passava todas as horas que podia enfiado numa biblioteca pública a ler tudo o que valesse a pena? E que o que mais ressalta na sua caminhada é uma grande capacidade de aprendizagem com os mestres, aprendendo perguntando tudo a toda a gente, recusando a facilidade e desafiando o leitor ao limite, conquistando-o não pelo tema mas sim pela humanidade e pela palavra trabalhada como um ourives? E que a sua mais que polémica falta de pontuação, usando apenas pontos finais e vírgulas de quando em quando, serve para colocar na leitura apenas as pausas essenciais, uma leve ou uma longa, reproduzindo assim a oralidade das histórias alentejanas? "Os meus livros são para ser ouvidos", dizia...  


João Vírgula

(Leitor de Valmedo)

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