quarta-feira, 9 de setembro de 2020

 

AS COUVES QUEREM-SE MIJADAS!


- Então mas onde é que despejaste o penico, rapazinho?

E eu, com a desculpa de ainda ser um menino com tanta coisa para aprender, não encontrei melhor resposta:

- Deitei-o ali ao pé da laranjeira... Porquê? 

 - Valha-me o Santíssimo Sacramento! Era para pores nas couves, raio...

A coisa foi dita com tanto ênfase que eu fiquei convencido que tinha cometido um pecado mortal, tinha acabado de cometer um crime contra a natureza e contra as leis ancestrais dos nossos antepassados...

  - Ó vó!? Nas couves porquê? Mijo nas couves?

 - Ó menino, tens muito que crescer e aprender ainda! Claro que é para botar nas couves, sempre foi assim, crescem melhor! - e pôs um ar de assunto encerrado, não havia mais explicações a dar, até porque não as tinha, tinha aprendido assim e assim estava certo!



Isto aconteceu numa daquelas minhas pernoitas em casa da avó Cotiles, Clotilde de nome oficial, e lembro-me agora que este incidente fez com que eu, na altura menino de uma dezena de imberbes primaveras, tenha ficado em choque e arranjado uma desculpa para durante uns tempos não comer as sopas de couves com feijão feitas pela minha avó, apesar de gostar imenso delas e ao ponto de ainda hoje sentir saudades, tinham elas um gosto especial que só visto, parece que as couves de hoje não lhes chegam aos calcanhares... E a coisa só ficou resolvida passado algum tempo quando o Ti Zé, pessoa sábia, respeitada e experiente, chegou no seu carocha depois de uma estafante viagem desde Algés para passar uma semana na terra e olhando para as benditas couves exclamou:

- Que belas couves, não achas? Qual será o segredo da tua avó para elas ficarem assim tão viçosas? 

- Não queira saber! - e então desabafei: - Ela rega todas as manhãs as couves com o mijo da noite, despeja aqui o bacio como...

- Oh! Claro! Mas é isso, já no meu tempo de garoto se fazia isso e digo-te, dá resultado, é o melhor adubo que há!

Fechei a boca de espanto, olhei para as couves que me pareciam desafiar na sua estonteante verdura e nem de propósito, abeirou-se de nós a Vó Cotiles, vinha ela buscar umas folhas de couve, a sopa do almoço seria caldo-verde enriquecido com chouriço de fumeiro da última matança... 



E hoje, amigos, passadas décadas, aquelas impressões continuam bem vivas, mesmo tendo aprendido  ao longo dos anos que nada cresce na natureza sem alimento, sem adubo, tendo crescido com os azulejos do "Nitrato do Chile" incrustados nas casas por este país fora, tendo até descoberto há pouco tempo a história desse fantástico produto chamado guano que os INCAS já conheciam e utilizavam durante séculos, estou hoje convencido de que a minha avó e os seus antepassados tinham razão: não há melhor adubo do que a nossa urina da manhã para fazer crescer as hortaliças! Por isso deixo aqui um apelo, não é necessário ir às ilhas do Perú e do Chile buscar fertilizante, basta que, quando aflitinhos para verter águas não as desperdicemos, basta mijar para um pé de couve ou de feijão-verde... Mas atenção, nunca para as folhas, já diziam os antigos... E agora que estou aqui a olhar para a minha mesinha de cabeceira veio-me à lembrança aquela outra dos meus tempos de meninice bem diferente das actuais e em que apenas havia uma gaveta e por debaixo dela um espaço amplo para resguardar o bacio para eventuais alívios nocturnos... E depois de manhã...


João das Boas Regras
(Sociólogo de Valmedo)

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