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"As primeiras azeitonas" - Jean-Charles Forgeronne |
"(...) Quero em dezembro o varejo final da azeitona o búzio a tocar a azeitona a cair dos ramos nos panos de serapilheira quero só isso nem isso quero (...)
Ruy Belo
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"As primeiras azeitonas" - Jean-Charles Forgeronne |
"(...) Quero em dezembro o varejo final da azeitona o búzio a tocar a azeitona a cair dos ramos nos panos de serapilheira quero só isso nem isso quero (...)
Ruy Belo
Não andam raposas pela Raposeira nem outros bichos selvagens, aliás pouca alma e pouco que ver se pode encontrar naquele pequeno lugar do concelho de Alcanena que tenta resistir ao despovoamento e ao abandono mas há uma excelente razão para demandar aquelas paragens: "O PATANISCA DOURADA", uma casa que é muito mais que pasto, é um tesouro gastronómico que preserva e cultiva os pratos tradicionais da região...
Não há cá luxos nem cerimónias que isso não casa com a maneira de ser das gentes humildes e trabalhadoras mas em compensação não falta aconchego nem simpatia na PATANISCA que nem precisa de ser dourada, é assim que é conhecido, apenas por Patanisca, e chega... É-se recebido pelas mulheres e donas da casa, a Dona Odete e a filha, Susana, ambas cozinheiras e ambas de conversa fácil, naquele dia também serviam as mesas porque a empregada estava de baixa...
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"O Alviela" - Dona Odete |
TER ASAS E NÃO VOAR...
Primeiro veio o susto logo pela manhãzinha, assim que saí porta fora senti que o mundo estava diferente, o chão movia-se debaixo dos pés! Veio-me imediatamente à cabeça aquela ideia não tão disparatada assim, foi desta, pensei, durante a noite tinham chegado os extra-terrestres e tinham alterado as leis físicas e magnéticas do planeta, estávamos agora numa dimensão diferente! Olhei para o céu escuro a ameaçar aguaceiro e pareceu-me normal, pus-me à escuta e nada se ouvia, nem os cães dos vizinhos, apenas o JAMES me espreitava de cabeça pendurada na grade do muro e com ar triste por não me fazer companhia na corrida, estranhamente não passava carro nenhum na estrada além, sempre movimentada, olhei as casas em volta e tudo parecia tranquilo e igual mas o mundo parecia estar suspenso, disparatadamente consultei o relógio do telemóvel e com alívio constatei que o tempo continuava a rolar, eram oito da manhã como seria de esperar, e então voltei a olhar para o chão: raios, ele continuava a mexer-se!
E só me baixando, quase de joelhos, esclareci o mistério: eram às centenas, aos milhares, pelas pedras da calçada, pela terra em redor, até pelo alcatrão, milhões de pontos negros se moviam sem nexo, pareciam desorientadas aquelas FORMIGAS... E depois reparei noutra coisa curiosa, muitas delas tinham ASAS, que raio, para que quer asas a formiga se depois passa a vida a calcorrear a terra, afinal alguém já viu formigas a voar? Ali estão rolas penduradas nos fios telefónicos, além passa um melro num esvoaçar desengonçado, mais tarde chegará o pardal que me tem debicando com entusiasmo o metro quadrado de relva que tenho ao lado da garagem, gaivotas primas do Fernão Capelo desafiam as leis da gravidade ali em baixo na praia do Caniçal, até aqui tudo bem, tudo lógico, mas formigas a voar? Nunca vi e volto a pensar que o fim deste mundo-cão estará próximo e não é preciso que cheguem os alienígenas...
E depois, após ter atravessado a rua escolhendo bem o sítio onde pisar que até parecia estar a jogar à macaca, chegado à floresta rejuvenescedora não consegui andar direito tanta era formiga a sair das entranhas deste surpreendente planeta e não querendo incomodar a estonteante azáfama destas criaturas rainhas do subsolo e do mundo inteiro lá segui mais a caminhar do que a correr, convencido já que a Terra é oca e que os verdadeiros aliens invasores e a verdadeira ameaça somos nós, humanos...
CAMA PARA NÃO FUMADORES...
Depois de ter sexo com a sua mulher, Valentim tinha o hábito de se sentar na cama e assim, de costas apoiadas na larga cabeceira do leito, acendia um cigarro e fumava devagar e profundamente enquanto observava com deleite os novelos de fumo que subiam até ao tecto... Esse ritual dava-lhe gozo, era como que um prémio pelo seu desempenho de macho e nem sempre mas por vezes até chegava a fumar por duas vezes mas, naturalmente e a pouco e pouco, Valentim deixou de fumar...
- Pois é, JAMES, já passou um ano... E sabes, desta não podes escapar, há que manter o vírus da RAIVA em sentido, como sabes...
E nisso ele tinha razão, amigos caninos, o tempo corre rápido demais, até no nosso mundo-cão... Mas depois lembrei-me, se a coisa se mantiver igual nestes tempos conturbados nem tudo é mau, sempre me poderei cruzar com algumas fêmeas interessantes ali no largo da aldeia e, geralmente, depois da vacina acontecerá o regresso a casa ali pelos campos, afinal a coisa mais prazenteira do dia...
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"Na fila de espera.." |
- Pára lá com as gracinhas, bicho! - respondeu de chofre o J.C enquanto me olhava através do retrovisor - Nós temos os nossos vírus e vocês, cães, têm os vossos, certo? Qual é o teu problema, afinal?
E eu, que tinha a perfeita noção de que já estava a estender-me um pouco em demasia, ainda tive vontade de responder que achava que os vírus são de todos, pessoas e animais, e que é preciso as pessoas escolherem bem os animais com que se metem e os animais, especialmente nós, amigos caninos, escolherem bem as pessoas com que se metem, senão pode dar muita confusão... E não imaginam a cena, quando chegamos, carro estacionado, J.C a abrir-me a porta e eu obedientemente a pôr-me a jeito, inconscientemente lancei:
- Então, eu não preciso de pôr máscara?
E eu, se não morrer desse maldito vírus raivoso, amigos caninos, haverei de morrer do olhar assassino que ele me lançou...
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"Liberdade!" |
Pois é, ao menos uma vez na vida, é caso para dizer acerca de Major Tom, Ziggie Stardust, Alladin Sane, Halloween Jack, Thin White Duke ou simplesmente DAVID BOWIE, a encarnação de todas estas personagens e outros tantos vanguardistas estilos musicais que lhe valeram o epíteto de camaleão do rock, ao menos estar frente a frente com todos eles uma vez na vida foi um desejo que desejei em muitas ocasiões e esse desejo realizou-se no dia 14 de Setembro de 1990, nem parece que foi há três décadas...! Na manhã desse épico dia dizia o Público: "...às 22h20, David Bowie entrará em cena e acabará o descanso...", e não falhou no prognóstico porque, como prometido, era aquele o tempo certo de dar descanso a 30 ou 40 canções que seriam cantadas completas pela última vez naquela digressão chamada a propósito "Sound&Vision", sons e imagens inesquecíveis de três décadas de uma carreira ímpar...
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in "PÚBLICO" - 14/9/90 |
É verdade, lá estive no relvado do velhinho estádio José Alvalade, ali bem perto do palco e bem acompanhado pelas colegas da maravilhosa equipa da urgência da Estefânia, a Nana e a Dolores, faltou a Madalena mas já nem me lembro porquê, talvez não gostasse do Bowie, e curiosamente o espectáculo nem era para ser ali mas no Restelo, como prova o bilhete que ainda guardo religiosamente no meu baú das melhores memórias desta vida...
Há precisamente 13 anos, a 11 de Setembro de 2007, ao partir deste mundo-cão iniciava GENE SAVOY a sua mais arriscada e misteriosa expedição: a descoberta dos segredos perdidos do mundo do além! E ele que por cá tinha sido um famoso e intrépido aventureiro, explorador, teólogo, líder religioso e autor de mais de 50 livros sobre arqueologia e religião, nestes anos que leva de aventuras no lado de lá já deve ter certamente desenterrado muita coisa de abrir a boca de espanto!
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"Savoy no Perú" |
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"A cidade perdida dos Incas" |
De facto, é provável que George Lucas ao criar a personagem Henry Jones Júnior, um herói de vida dupla ao encarnar por um lado um pacato professor e estudioso de Arqueologia e por outro ao assumir-se como um destemido aventureiro em busca de tesouros perdidos, se tenha baseado na figura incontornável de Savoy... O que é certo é que o herói é mais conhecido por Indiana porque, afinal, era esse o nome do cão que Lucas tinha em criança...
AS COUVES QUEREM-SE MIJADAS!
E eu, com a desculpa de ainda ser um menino com tanta coisa para aprender, não encontrei melhor resposta:
- Deitei-o ali ao pé da laranjeira... Porquê?
- Valha-me o Santíssimo Sacramento! Era para pores nas couves, raio...
A coisa foi dita com tanto ênfase que eu fiquei convencido que tinha cometido um pecado mortal, tinha acabado de cometer um crime contra a natureza e contra as leis ancestrais dos nossos antepassados...
- Ó vó!? Nas couves porquê? Mijo nas couves?
- Ó menino, tens muito que crescer e aprender ainda! Claro que é para botar nas couves, sempre foi assim, crescem melhor! - e pôs um ar de assunto encerrado, não havia mais explicações a dar, até porque não as tinha, tinha aprendido assim e assim estava certo!
- Que belas couves, não achas? Qual será o segredo da tua avó para elas ficarem assim tão viçosas?
- Não queira saber! - e então desabafei: - Ela rega todas as manhãs as couves com o mijo da noite, despeja aqui o bacio como...
- Oh! Claro! Mas é isso, já no meu tempo de garoto se fazia isso e digo-te, dá resultado, é o melhor adubo que há!
Fechei a boca de espanto, olhei para as couves que me pareciam desafiar na sua estonteante verdura e nem de propósito, abeirou-se de nós a Vó Cotiles, vinha ela buscar umas folhas de couve, a sopa do almoço seria caldo-verde enriquecido com chouriço de fumeiro da última matança...
Diz a enciclopédia que o GUANO é uma matéria composta de excrementos de aves marinhas que se encontra acumulada em grandes quantidades nas costas e em várias ilhas do Chile e também do Perú, resultado de milénios de desmerdanço de pelicanos, albatrozes, petréis-mergulhadores, pardélios, gaivotas, cagarras, gansos-patola, corvos-marinhos, fragatas e até de mandriões... A origem do termo não poderia ser mais a propósito, GUANO deriva da palavra quíchua huanu, que significa merda, esterco, só que a sua milagrosa composição à base de ácido úrico e fosfato de cálcio, para além de sais de potássio, oxalatos, carbonatos e outros compostos azotados faz desta porcaria um precioso e riquíssimo fertilizante já que contém todos os elementos requeridos pelas plantas duma forma facilmente assimilável, uma colher de sopa de guano no pé do feijão e é vê-lo subir num ápice até ao céu, que o diga o João Bovino, o menino que trocara a vaca sagrada da família pelas sementes mágicas e que agora anda lá em cima a observar os castelos deste maravilhoso mundo-cão, muitos deles de areia!
Antes da mortífera e destruidora invasão espanhola já os INCAS usavam o guano há mil anos nas suas culturas e curiosamente nuestros hermanos não lhe deram o devido valor devido, em primeiro lugar, à sua cupidez e obsessão pelo ouro, e depois por causa do seu olfacto melindroso, diziam eles que o cheiro do guano era tão intenso que afastava tudo e todos daquelas ilhas, tivessem eles um nariz menos sensível como os Incas e talvez tivessem descoberto o tesouro, aquela que se tornaria a merda mais cara do mundo... Foi preciso esperar pelo século XIX para que o mundo se apercebesse daquela enorme riqueza natural ali à mão de semear, então VON HUMBOLT, meu herói e colega naturalista e geólogo alemão, ao estudar as fabulosas propriedades do guano despoletou uma corrida ao ouro, de repente era considerado o melhor fertilizante do mundo e todos o queriam e a febre foi tanta que os americanos se deram ao luxo de elaborar o "Acto das Ilhas do Guano", uma directiva que autorizava qualquer americano a tomar posse de uma qualquer ilha onde houvesse guano ao redor do globo com o intuito de a explorar comercialmente, e fizeram-no de facto em mais de cem ilhas... Acresce que para além das costas e ilhas do Pacífico sul tinham sido entretanto descobertas jazidas de guano em muitas ilhas ao largo das costas africanas e o rebuliço e as apropriações selvagens foram tantas que ainda hoje subsistem conflitos em relação ao direito de propriedade de muitos desses santuários de vida selvagem!