domingo, 5 de abril de 2020



O INVENTOR, O LAPIDADOR E O CURIOSO...



"Van Berken" - Antuérpia
Dois mil anos depois de os hindus terem começado a usar o DIAMANTE em bruto como talismã após terem ficado fascinados com o seu brilho e durabilidade e crendo que a pedra era mística e que tinha o poder de os proteger do mal, em 1447 era lido pelas ruas de uma ANTUÉRPIA ainda sem o esplendor que viria a alcançar posteriormente um decreto que avisava o povo para os diamantes falsos que por ali proliferavam, testemunho de que a cidade era já um pólo importante no comercio de diamantes, que de resto era comum a toda a Flandres e Países Baixos, desde Brugges a Amesterdão e desde então até aos tempos modernos como podemos constatar nas crónicas de viagens de Ramalho Ortigão do início do século passado:

"A indústria mais rica - e bem assim a mais característica da Holanda - é a da lapidação de diamantes nas oficinas de Amesterdão. O comércio dos diamantes atinge nesta cidade a soma anual de dezoito mil contos de réis e fornece trabalho a dez mil pessoas. (...) A indústria dos diamantes é quase exclusivamente exercida em Amesterdão por judeus de origem portuguesa."      

(in Holanda, 1894)


Prato de Polimento
Mas a conjugação de uma série extraordinária de acontecimentos, uns de origem natural e outros talvez não, faria de Antuérpia, desde o século XV até aos dias de hoje o centro do mundo dos diamantes, a começar pela infelicidade que se abateu em 1503 sobre a próspera Brugges, ela que era até então o principal porto de entrada de mercadorias na Flandres: a cidade, situada apenas a 20 quilómetros do Mar do Norte, deste ficou isolada devido ao assoreamento do canal Zwin! Com essa contrariedade ganhou e muito Antuérpia, não só para aí se mudou de Brugges a Feitoria Portuguesa da Flandres como também o seu porto começou a receber as especiarias portuguesas que vinham da Índia, os tecidos ingleses e os metais alemães, atraindo também os banqueiros que foram tornando a cidade rica, feliz e imparável na sua confiança, até hoje... E pormenor importante, com os navios portugueses também chegavam da Ásia carregamentos de diamantes, aumentando a oferta de matéria-prima para uma indústria que sofreria um impressionante e decisivo impulso em 1456 com a invenção de LUDEWICK VAN BERKEN, o scaif,  uma engenhosa roda (ou prato) de polimento que embebida numa mistura de pó-de-diamante e azeite tornou possível alargar muito o número de facetas do diamante e através de um corte mais rápido e muito mais preciso!

Andarilho analisando a gema...

VAN BERKEN
, curiosamente nascido na rival Brugges, com a sua invenção que tornava os diamantes muito mais complexos, belos e autênticas peças de joalharia, mudou para sempre a indústria e de repente começaram a chegar a Antuérpia artesãos de todas as cortes da Europa, curiosos e ávidos de aprenderem a nova e maravilhosa técnica... Hoje Van Berken, misticamente protegido por um anjo, está imortalizado em Antuérpia numa estátua em que segura um pequenino diamante numa mão, talvez aquela pedrinha com que mudou o destino da cidade! Calcula-se que hoje em dia 84% dos diamantes brutos do mundo inteiro passem por Antuérpia e só no famoso bairro dos diamantes, o Diamond Quarter, concentram-se 380 oficinas que trabalham para 1700 empresas e por onde labutam quase 4000 zelosos especialistas entre corretores, comerciantes e lapidadores de diamantes de 70(!) nacionalidades diferentes, tudo junto aglutinando mais de 30000 empregos e representando 15% das exportações belgas para fora da Europa...



"Diamond Quarter... at Sabbath!" - Antuérpia

E agora, quando deixar esta jóia de terra para trás e regressar à Lusitânia, a primeira coisa que farei é pegar no meu grande amigo João Andarilho e pôr o parlatório em dia, ele que para além de possuir para aí umas sete costelas angolanas é também maratonista, blogger e, acima de tudo para o que interessa aqui, foi durante largos anos lapidador de diamantes na antiga e saudosa DIALAP - Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes -, um segredo que teve largo tempo escondido... E se até aqui as nossas conversas sobre diamantes foram rápidas e de circunstância, embora interessantes, agora que vou daqui com o bichinho da curiosidade vamos ter muito que conversar e talvez, quem sabe, a ele que nunca esteve em Antuérpia, lhe venha a ser insustentável a leveza da certeza que tem que vir cá um dia ao centro de um mundo que lhe diz tanto... Talvez aproveite para vir cá fazer a próxima maratona e simultâneamente descobrir mais coisas sobre os diamantes e muitos outros segredos que a cidade tem para desvendar, quanto a mim, cujas pernas já não aguentam tanto sacrifício, nem me importaria muito de cá voltar e servir apenas de guia turístico! 

O tangue do Andarilho

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

2 comentários:

  1. Extraordinaire ! Meu caro Palmilha,a relação e o cruzamento entre nações e povos tão diferentes como sejam Portugal, Países Baixos e Bélgica é tão próxima como diferentes e inversamente proporcionais são os seu hábitos e culturas. Tendo sido tão intenso o relaciomanto comercial e o confronto pela posse de territórios coloniais no século XIV (no caso da Holanda) entre Portugal e esses países, tornar-se, para mim, intrigante o desconhecimento e a desconfiança que, hoje em dia, permanece no relacionamento destas nações. Com estas pequenas e saborosas pinceladas de história, vieste aguçar a minha curiosidade sobre estes pequenos territórios da Europa, porém tão poderosos no contexto geopolítico da Europa e do mundo. Mas lá, para esta condição e posição estratégica global que detém, Holanda e Bélgica, muita contribuição tiveram de Portugal e dos, podemos chamar, Cristãos Novos escorraçados pelo Passos Coelho de então. Desgraçadamente, para nós, naqueles tempos como hoje, a ganância é e falta de visão dos governantes foi-nos fatal. Poderia ter sido diferente, para mim e certamente para o nossos destinos, se os judeus portugueses não tivessem "emigrado" involuntariamente. Quem sabe não seria ainda hoje com a idade que tenho, um brilhante lapidador/planificado de diamantes, na imaginada Lisboa capital do comércio e lapidação de diamantes mundial. Prezado companheiro e amigo que em boa hora conheci. É para mim uma honra ser objecto de referência numa crónica publicada no magnífico Planando no Mundo Cão. Até à eternidade...
    Bem hajas.

    João Andarilho

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  2. Não respondo porque não tenho palavras, pronto! Obrigado e abraço!

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