EFEMÉRIDE # 71
A GUERRA, O DESPORTO E A PAZ...
Passam hoje exactamente 100 anos sobre o início dos VII JOGOS OLÍMPICOS da era moderna, realizados em 1920 na cidade de ANTUÉRPIA, naquela que foi a vários níveis uma das edições mais importantes da história do Olimpismo... Mas primeiro convém alertar para dois pormenores aquele leitor atento que olhou com reparo para o cartaz oficial do evento e que pode ficar muito confundido e até ganhar ganas de colocar em causa a idoneidade deste escriba e a seriedade das coisas que para aqui vai botando, o nome da cidade e a data: primeiro, ANVERS é o nome gaulês para Antuérpia, coisa surreal num país artificial que nem deveria existir porque a Flandres tem tudo a ver com os Países Baixos e nada a ver com a Valónia francesa linguísticamente dominante até há poucos anos e, segundo e não menos importante, apesar da cerimónia de abertura ter ocorrido apenas a 14 de Agosto, as competições iniciaram-se de facto a 20 de Abril e a conta-gotas desenrolaram-se durante 5 meses devido às singularidades da época...
Embora a Europa ainda fumegasse por entre as ruínas da I Guerra Mundial, o barão PIERRE DE COUBERTIN, então presidente do Comité Olímpico, entendeu que apesar das circunstâncias era crucial que os Jogos se realizassem sob pena de se perder de vez o espírito olímpico uma vez que a edição anterior agendada para Berlim já não se tinha realizado em 1916 devido ao conflito... E nunca uma decisão do Comité teve um carácter tão político como essa de atribuir a ANTUÉRPIA a organização da sétima olimpíada, é que ela tinha sido inicialmente atribuída a Budapeste mas o papel da Hungria na guerra levou à mudança para a Bélgica, atitude que também homenageava um país neutro mas bastante massacrado pelo eixo do mal... E para além da Hungria, pelas mesmas razões, também a Alemanha, a Áustria, a Bulgária e a Turquia não foram convidados para o evento! A Rússia também não participou mas por outra razão, é que ainda estava cambaleante e a tentar organizar-se após a sua famosa revolução proletária... Tempos agitados aqueles!
É então para uma Bélgica parcialmente destruída e mergulhada numa grave crise económica e social que vão convergir 2626 atletas em representação de 29 países, dos quais 165 eram mulheres e 14 eram portugueses, naquela que era a segunda participação lusitana... Foram também os JOGOS DO IMPROVISO, do nada e embora com outras preocupações sociais para resolver os belgas lá construíram em 7 meses um estádio olímpico com capacidade para 35000 espectadores, embora precário e com deficiências estruturais, as bancadas eram de madeira e a pista, de tão irregular, sempre que chovia naquele agreste clima flamengo ficava inutilizável e obrigava à interrupção das competições... Não admira, portanto, que a coisa precisasse de 5 longos meses para se desenrolar, mas outro mérito ganha a organização se atentarmos que naquele tempo o transporte era difícil e lento e também não havia estruturas de alojamento e, só como exemplo, a comitiva que inaugurou a participação olímpica brasileira demorou mais de um mês a chegar a ANTUÉRPIA e esteve mesmo em risco de não chegar a tempo, a viagem de barco demorou tanto que ao passar pela Madeira os brasileiros tiveram que arrepiar caminho e mudar de planos, foram até Lisboa e daí seguiram também lentamente de comboio até à Bélgica, sobressalto que valeria a pena pois seriam recompensados com uma medalha de ouro na disciplina de tiro.... Também não havia aldeia olímpica ou hotéis suficientes, muitos atletas tiveram que ser hospedados por famílias bem intencionadas nas suas próprias casas!
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"Primeira Bandeira Olímpica" - Museu Olímpico - Lausanne - Suiça |
Quanto a marcas os Jogos de Antuérpia foram evidentemente muito fraquinhos, não só os atletas presentes não se apresentaram na desejável forma por natural falta de condições de treino como muitos dos melhores tinham morrido em combate, mas apesar disso haveria de sobressair Paavo Nurmi, o "finlandês voador", aquele que se tornaria num dos maiores fundistas de sempre... Mas noutros aspectos as VII OLIMPÍADAS foram brilhantes e únicas, pela primeira vez foi hasteada a bandeira olímpica idealizada em Paris por Coubertin em 1914 e apresentada em Alexandria e que com os seus anéis entrelaçados sob fundo branco queria significar a cooperação e fraternidade entre os cinco continentes; também foi em Antuérpia que pela primeira vez foi feita a libertação de pombos simbolizando a paz universal e ainda também pela primeira vez o esgrimista, jogador de pólo aquático e belga Victor Boin leu o juramento olímpico dos atletas...
Por tudo isso e por tudo o mais valeu a pena...
28666
Para sintetizar a participação nacional, segundo a Wikipédia, o mais novo dos atletas portugueses tinha 19 anos e 207 dias e o mais velho 36 anos e 156 dias... fantástico!
ResponderEliminarAbraço, amigo 28666