AS AMEIJOAS DO POETA
BULHÃO PATO, fidalgo, poeta e ensaísta, ficou mais célebre por um petisco do que pelas suas artes literárias. Consta que era um bon vivant, apreciador de caçadas e tertúlias literárias, para além de ser dotado para as artes culinárias o que lhe proporcionou a participação com algumas receitas no livro gastronómico mais famoso da sua época: "O cozinheiro dos cozinheiros" de Paul Plantier (1860). Acresce ainda que a sua poesia, para além de satirizar a sociedade e os políticos da época também demonstra a grande empatia que Bulhão Pato tinha com o sexo oposto, rezando as crónicas que nesse campo granjeava apreciável sucesso.
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Bulhão Pato retratado por Columbano |
E se o poeta e caçador confeccionava com mestria pratos como "Perdizes à Castelhana" ou "Lebre à Bulhão Pato", não deixa de ser curioso que a receita das ameijoas mais famosas deste cantinho lusitano não tenha sido da sua autoria, antes parece certo que o cozinheiro autor da proeza decidiu homenagear o nosso herói dando o seu nome à iguaria como agradecimento pelos louvores recebidos nalgumas obras.
Mas agora que o verão se instalou e que no regresso da praia apetecem petiscos ao ar livre, montemos a mesa e confeccionemos um dos mais simples e esplêndidos petiscos lusitanos, tarefa que não exigirá mais do que um quarto de hora e que está ao alcance do mais imaturo dos principiantes:
AMEIJOAS À BULHÃO PATO
Ingredientes:
ameijoas
azeite
alho q.b
coentros
sal
Aquecer o azeite num tacho e juntar os dentes de alho esmagados e com casca; deixar amolecer;
Juntar as ameijoas (já bem lavadas) e metade dos coentros;
Temperar com sal e deixar cozinhar em lume forte;
Quando as ameijoas começarem a abrir, reduzir o lume, tapar e deixar cozinhar por alguns minutos até todos os bivalves estarem abertos;
Servir de imediato, com os restantes coentros picados por cima e acompanhando com um bom pão, eventualmente torrado..
E se, bem acompanhados, for caso de se fazer um brinde à alegria de viver, façamo-lo também à moda de Bulhão Pato:
UM BRINDE
Amigos, à formosura
que nos cerca neste instante,
erga-se a taça escumante
de purpurino licor.
Vivo entusiasmo rebente
agora das nossas almas,
caiam palmas sobre palmas
cada vez com mais ardor.
Aqui floresce na horta
a viçosa laranjeira,
corre o Champagne e o Madeira
que ofertara nívea mão,
aqui não chegam as garras
de tanta velha leoa
que esfaimada por Lisboa
se atira a tanto leão.
Aqui livre em nossos peitos
pula impaciente alegria,
porque ao sol de um belo dia
tudo vem reflorir!
Que importa pois que os ministros
ressonem no parlamento,
e que os homens de São Bento
nem sequer nos façam rir?
Para nós sorri-se o mundo,
para nós a vida é esta,
logo festa, amanhã festa,
glória, encantos, ilusões!
Junto a nós temos as belas
mais fragrantes do que as rosas,
longe o mundo das preciosas
e o mundo dos papelões!
Eia pois! à formosura
que nos cerca neste instante
erga-se a taça escumante
de purpurino licor.
Vivo entusiasmo rebente
agora das nossas almas,
caiam palmas sobre palmas
cada vez com mais ardor
Bulhão Pato (1859)
João Ratão
(Chef de Valmedo)
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