sábado, 2 de janeiro de 2016

A RAIVA DO VULCÃO - III


          Muitas podem ser as razões que nos levam a encontrar as obras que marcam o nosso imaginário pela vida fora e foi a leitura casual da badana do volume 60 da "Colecção Dois Mundos" que me levou até "DEBAIXO DO VULCÃO" de Malcolm Lowry, era a década de 80 ainda recém-nascida e havia que ocupar o muito tempo livre das ribatejanas e abrasadoras férias grandes. Não foi conselho amigo, não foi crítica literária, não foi obrigação académica, não foi oferta, não foi por conhecer o autor, foi mesmo um acaso, uma fatalidade do destino à boa maneira mexicana....

         "Um romance extraordinário, uma das obras mais notáveis publicadas no século XX...", assim era apresentada a obra, e não era exagero pois passados 30 anos continua a figurar em todos os rankings que se fazem por esse mundo fora como uma das 100 melhores até agora escritas. Para aqui pouco interessa essa publicidade dos críticos e especialistas que muitas vezes endeusam romances que, embora porventura técnica e linguísticamente sublimes, são uma seca complexa e que se tornam aborrecidos e incompreensíveis  (no meu caso não consegui ter qualquer prazer na leitura de "Ulisses", de James Joyce, outra obra considerada  prima e inigualável pela nata dos especialistas e académicos ).
           E enquanto, pela mesma altura, consegui heróicamente ler todas as 844 páginas de "Ulisses" numa única tentativa e tendo chegado ao fim com a sensação de não ter sido capaz de captar a erudição que todos atribuem à obra (mea culpa, obviamente), a leitura de "Debaixo do Vulcão", embora não se tenha revelado nem mais fácil nem mais rápida ofereceu muito mais prazer. É um romance que tem uma aura especial e porque em parte autobiográfico indissociável da invulgar história de vida do seu autor, para ser descoberto e redescoberto a cada nova leitura (já o li aos 20, aos 30 e aos 40, e preparo-me para o ler novamente, e a cada nova abordagem novos prazeres se revelam, às vezes basta ler umas páginas ao acaso e algo de encantador se revela naquelas palavras magicamente entretecidas....
       
            Afinal, o que é que a obra tem assim de especial (ou talvez não para alguns)? Não é apenas um romance sobre o México,  não é apenas um romance sobre o sentimento trágico com que os mexicanos encaram a vida, não é apenas um romance sobre o amor pungente, não é apenas um romance sobre a luta incessante do homem contra os seus remorsos e a fatalidade do destino, não é apenas a história do último dia de vida do Consul George Firmin e do seu suícidio alcoólico, é tudo isso e muito mais....  Como diria Gunter Grass, (vá lá saber-se se gostou da obra ou sequer se a leu) há que descascar a cebola para captar a essência das várias camadas da existência....

         
      Para Malcolm Lowry foi o romance de uma vida, demorou dez anos a escrevê-lo enquanto errava pelas bodegas de Cuernavaca e bebia nas esplanadas à sombra do Popocatepetl, e mais tarde, quando expulso do México por actos menos próprios, enquanto vivia numa cabana no Canadá. Além disso, o romance foi recusado inúmeras vezes pelos editores, o manuscrito foi milagrosamente salvo de um incêndio e só depois da morte do autor a obra alcançou o sucesso!

           "NON SE PUEDE VIVIR SIN AMAR..." dirá com extâse o leitor que se aventurar num mergulho sobre os recônditos da alma humana e não será descabido (honrando a memória de Lowry e do consul) acompanhar o desafio com mescal  porque a tarefa não é uma leitura light, requer compromisso e perseverança, mas não são feitas promessas em vão e após cada capítulo são recompensados todos os minutos investidos....



Malcolm Lowry

João Lava

(Vulcanólogo de Valmedo)

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