sábado, 26 de outubro de 2024


 OS LEPROSOS DE MOLOKAI


Saídos da Alcazaba caminhávamos lentamente em busca do Generalife, inebriados pela frescura e abafados pelo peso da história lá íamos digerindo ao de leve a magnificência do palácio dos Nazari quando, de rompante e sem aviso prévio, contra qualquer plano previamente estipulado, quiçá um sinal do destino, num segundo tomo a decisão de fazer um pequeno desvio e entrar na singela e disfarçada Iglesia de Santa María de la Alhambra, ali mesmo ao lado do Palácio que Carlos V erigiu à boa maneira imperial e renascentista... A igreja é simples, sóbria e aconchegadora, mas a visita valeu a pena por causa de um quadro...

"Iglesia de Santa Maria de Alhambra" - Jean-Charles Forgeronne

É uma pintura estranha para uma igreja, nada daquelas cenas da apologia cristã, nem crucificações nem santos com ar alucinado a olhar o céu, antes uma criatura enferma, um desgraçado com ar miserável e assustador, de rosto disforme coberto de pústulas... A obra data de 1970, intitula-se "Padre Damien" e o seu autor, Benito Prieto Coussent, ofereceu-a à Real Academia das Belas Artes de Granada que a expõe em permanência na pequena igreja do Alhambra. Depois de investigar quem era este Benito a coisa ganhou sentido, dizem dele que se tornou de tal forma exigente consigo próprio que na sua última obra terá trabalhado mais de vinte anos! Além disso, a sua obsessão pela perfeição levou-o à destruição de muitas das suas obras já acabadas, cenas recheadas de personagens humildes e anónimas, mendigos, toureiros ou heróis trágicos, como este padre...  

"El Padre Damían" - Benito Prieto Coussent, (Foto: Jean-Charles Forgeronne)

O Padre Damien, antes Joseph de Veuster e depois São Damião de Molokai, foi um sacerdote católico belga que como missionário foi enviado para o Havai em 1864; depois de oito anos de actividade em Honolulu e sabendo da necessidade de padres em Molokai, a quinta maior das onze ilhas do arquipélago e onde existia uma colónia de desterrados leprosos, Damien oferece-se para aí prestar serviço religioso mas vai muito além disso, lutou até à exaustão pela melhoria de condições de vida daqueles proscritos, tanto que acabou por ele próprio contrair a doença, como Benito bem retrata,  e disso morrer aos 49 anos... Hoje, o herói mártir é o santo padroeiro dos leprosos e dos marginalizados...   

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

Sem comentários:

Enviar um comentário