segunda-feira, 28 de outubro de 2024

 

IT WAS A REALLY FUCKING SHOW, NICK!


Desta vez não o poderia perder, NICK CAVE e os seus Bad Seeds já tinham passado por Portugal 16 (!) vezes e agora lá fui, antes que ele não volte mais ou que então eu não esteja cá... O músico não tem idade apesar dos seus 67 anos ainda frescos, ou melhor, soube envelhecer jovem, apesar das tragédias pessoais ao longo dos anos, com energia invejável e sobretudo com coerência e lucidez, apesar da sua principal referência ser a autenticidade... Muito se escreveu e se disse sobre ele nas vésperas do concerto, que vinha em busca da redenção, que era um homem em catarse, chamaram-lhe o "príncipe das trevas" derivado ao seu universo negro e depressivo, mas penso eu, não andamos todos à procura de uma luz que não brilha, de um deus melhor, ainda que selvagem e menos injusto? E é por isso que nos identificámos tanto com ele, sentimos a sua dor, a sua revolta e a sua busca de paz... Acho que em vez de ter chamado à sua última obra "Wild God" bem poderia ter escolhido "Crazy God", vale-nos ao menos a música brilhante de Cave para não endoidecermos de vez...  


"Nick Cave & The Bad Seeds" - Meo Arena - Jean-Charles Forgeronne

À saída, ainda atordoado, emocionado até, faltavam-me palavras para definir o espectáculo, "espectacular", "maravilhoso" ou "muito bom" não chegavam até que alguém atrás de mim lançou para o adjectivo perfeito: "monstruoso"! É isso, foi um concerto monstruoso, a condizer com o reino do senhor Cave pejado de monstros, elfos, demónios, deuses e outras criaturas que nos tiram o sono, ou como diria o próprio músico: "It was a really fucking show!" 
Quando cheguei a casa não perdi tempo a reunir os CD´S que agora vou reviver durante algum tempo, em busca de redenção...


João Sem Dó
(Musicólogode Valmedo)

 

"Granada" - Jean-Charles Forgeronne 

 
GRANADA, AMOR, PEQUEÑAS COSAS Y OUTRAS MIERDAS


Não é coisa pequena, não senhor, os ESKORZO já levam 39 (!) anos de carreira na bagagem! Sim, na bagagem pois já deram volta e meia ao mundo e contam para cima de 1000 concertos, um dos últimos aqui em Portugal, no passado Festival do Maio, tendo aí actuado depois de outra lenda: Manu Chao... 
A banda granadina, talvez fruto do ambiente multicultural que sempre caracterizou Granada, lançou em 1995 o movimento "Mestizo", uma fusão de música latina, rock, ska, funk, jazz e ritmos africanos...

"Eskorzo no Festival do Maio" - Jean-Charles Forgeronne

O eskorzo, em português escorço, e na óptica da banda granadina, atrevo-me a dizer, é o efeito de perspectiva em que os objectos ou as merdas desta vida que vemos à nossa frente ou à distância se apresentam mais pequenas que o natural, reduzindo o seu impacto e dando lugar a coisas mais positivas, por exemplo a alegria espontânea...
Ao Seixal vieram os Eskorzo apresentar o seu último trabalho, "Historias de Amor y otras Mierdas" e claro, conquistaram de chofre a audiência com a sua energia, o seu ritmo e as suas provocações... E apesar de ela estar lá bem longe e não podermos lá estar sempre que o desejamos, quando a banda anda por aí a tocar trazem os encantos de Granada até nós...

                                                                                             Eskorzo - Paraísos Artificiales
João Sem Dó
(Musicólogo de Valmedo)

domingo, 27 de outubro de 2024


TASCAS E ANTROS DE PRAZER - XXXIII

ALIATAR, AQUELE QUE É DIFERENTE!

Passar por Granada e não ir a um dos bares ALIATAR é crime grave, passível de arrependimento perpétuo, afinal foi ali, na Calle Salamanca, que tudo começou há 75 anos!

Em 1947, Salvador Palacios, o fundador, teve uma ideia  revolucionária ao criar um conceito de comida rápida que era então desconhecido em toda a Andaluzia e rapidamente conquistou uma clientela devota... E que melhor nome para o espaço do que Aliatar, nome de origem árabe que significa "aquele que é diferente"?

E só pode haver uma explicação para o facto de, passado tanto tempo, quer granadinos quer turistas continuarem a fazer romarias em busca daqueles bocadillos deliciosos e únicos: é porque eles são mesmo muito bons! E surpreendentemente, para os dias que correm, nada caros!



O conceito do bocadillo parece demasiado simples: recheia-se o pão de trigo em forma de baguete com comidas frias ou quentes, desde presunto, queijo, carnes, peixe, etc, a lista é infindável e continua a crescer mas depois o que faz a diferença é a arte da confecção, a mistura de sabores e a qualidade dos ingredientes... Ou seja, há bocadillos e bocadillos...
E claro que nem só de bocadillos vive o Aliatar, há quem vá para experimentar boas cervejas ou para se deliciar com a descoberta de novos vinhos, e claro, para pôr a conversa em dia que isto de comer e beber calado ou sozinho não tem jeito...
Eu e a N., claro que em homenagem ao espírito de Granada, acompanhamos os nossos bocadillos de presunto serrano com a deliciosa cerveja local...





João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

sábado, 26 de outubro de 2024


 OS LEPROSOS DE MOLOKAI


Saídos da Alcazaba caminhávamos lentamente em busca do Generalife, inebriados pela frescura e abafados pelo peso da história lá íamos digerindo ao de leve a magnificência do palácio dos Nazari quando, de rompante e sem aviso prévio, contra qualquer plano previamente estipulado, quiçá um sinal do destino, num segundo tomo a decisão de fazer um pequeno desvio e entrar na singela e disfarçada Iglesia de Santa María de la Alhambra, ali mesmo ao lado do Palácio que Carlos V erigiu à boa maneira imperial e renascentista... A igreja é simples, sóbria e aconchegadora, mas a visita valeu a pena por causa de um quadro...

"Iglesia de Santa Maria de Alhambra" - Jean-Charles Forgeronne

É uma pintura estranha para uma igreja, nada daquelas cenas da apologia cristã, nem crucificações nem santos com ar alucinado a olhar o céu, antes uma criatura enferma, um desgraçado com ar miserável e assustador, de rosto disforme coberto de pústulas... A obra data de 1970, intitula-se "Padre Damien" e o seu autor, Benito Prieto Coussent, ofereceu-a à Real Academia das Belas Artes de Granada que a expõe em permanência na pequena igreja do Alhambra. Depois de investigar quem era este Benito a coisa ganhou sentido, dizem dele que se tornou de tal forma exigente consigo próprio que na sua última obra terá trabalhado mais de vinte anos! Além disso, a sua obsessão pela perfeição levou-o à destruição de muitas das suas obras já acabadas, cenas recheadas de personagens humildes e anónimas, mendigos, toureiros ou heróis trágicos, como este padre...  

"El Padre Damían" - Benito Prieto Coussent, (Foto: Jean-Charles Forgeronne)

O Padre Damien, antes Joseph de Veuster e depois São Damião de Molokai, foi um sacerdote católico belga que como missionário foi enviado para o Havai em 1864; depois de oito anos de actividade em Honolulu e sabendo da necessidade de padres em Molokai, a quinta maior das onze ilhas do arquipélago e onde existia uma colónia de desterrados leprosos, Damien oferece-se para aí prestar serviço religioso mas vai muito além disso, lutou até à exaustão pela melhoria de condições de vida daqueles proscritos, tanto que acabou por ele próprio contrair a doença, como Benito bem retrata,  e disso morrer aos 49 anos... Hoje, o herói mártir é o santo padroeiro dos leprosos e dos marginalizados...   

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

 

UMA QUESTÃO DE PALAVRA E DE HONRA

Há muito que na chamada Reconquista os cristãos haviam tomado a Península Ibérica aos mouros, à excepção de um último reduto que ia resistindo até ao limite, a cidadela de Granada, a salvo pelas inexpugnáveis muralhas vermelhas lá no alto da colina... Mas no segundo dia do ano de 1492, devido à fome provocada por um cerco de muitos meses levado a cabo pelos exércitos dos reis católicos D. Fernando II e Isabel I (os tais que estão pomposamente sepultados na Catedral granadina), para evitar um banho de sangue e poupar o Alhambra à destruição, Boabdi, o vigésimo rei Nazari, teve a coragem e o bom senso de se entregar sem luta...


"A rendição de Granada" - Francisco Pradilla

Consta que o rei berbere partiu em lágrimas e de coração apertado, apenas com um consolo: o rei católico prometera-lhe preservar a liberdade religiosa para os mouros de Granada! Afinal, durante  o domínio árabe e ao longo de 250 anos tinha havido uma sã e pacífica coexistência entre muçulmanos, cristãos e judeus, todos com o respeito dos outros e liberdade de culto...
Pois bem, passado pouco tempo, no reinado de Isabel, a Católica, os cristãos fundamentalistas (não o são todos?) expulsaram os mouros e proibiram a liberdade de culto... Surpreendente seria o contrário!


João Alembradura
(Historiador de Valmedo)

 

ALHAMBRA, A FORTALEZA ENCANTADA...

Chamam ao palácio fortificado dos reis Nazari alcandorado sobre Granada ALHAMBRA, nome com origem no árabe al-qal'al-hambra e que significa castelo (ou fortaleza) vermelho, vermelho como as romãs dos seus jardins... Para além de ser o único palácio mouro existente no Ocidente, o Alhambra é o monumento espanhol mais visitado com cerca de 20000 visitas diárias, somando aos turistas as inúmeras viagens de estudo organizadas pelas escolas... 
Sé se entende a fama que o Alhambra granjeou ao longo de séculos e que o tornou numa das principais atracções turísticas do mundo quando o visitamos, e convém fazê-lo devagar, com tempo e atenção aos pormenores, afinal ele foi construído de forma a proporcionar os tranquilos prazeres prometidos pelo Alcorão... 

"Alhambra" - Jean-Charles Forgeronne 

E o que encontra essa multidão de visitantes? Pois bem, a resposta é simples: uma amostra do paraíso! Por entre magníficos jardins que espalham o perfume das flores e escutando o murmurar das águas por entre romãzeiras, laranjeiras e ciprestes respira-se serenidade e frescura, já no interior dos edifícios e pátios há lugar ao deslumbramento tanta é a riqueza artística e ornamental...
 
"O pátio dos leões" - Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

domingo, 20 de outubro de 2024

 

"Plaza de Santa Ana" - Granada

Jean-Charles Forgeronne
(Fotógrafo de Valmedo)

 

GRANADA, UMA ROMÃ NO PARAÍSO...


Em 711, o príncipe berbere Tarik Ibn Ziyad e os seus cavaleiros, ávidos de pilhagens e conquistas, atravessaram o estreito de Gibraltar a bordo de dezenas de barcos e em poucas semanas tomaram facilmente posse da Andaluzia, pilhando a eito e sem oposição chegaram até à colina de Albaicín e aí, talvez por milagre, o príncipe caiu de joelhos perante a beleza aterradora da paisagem pois, enquanto a sudeste podia contemplar os 14(!) cumes da Sierra Nevada acima dos 3000 metros de altitude, a ocidente e a sul o seu olhar perdia-se por vale férteis até ao infinito... Decisão rápida e fácil, puseram de parte a sanha de conquista e pilhagem, assentaram arraiais ali naquela colina e assim nasceria a povoação que daria origem à primeira e única cidade criada pelos mouros em Espanha: Garnata ou Granada!

"Albaicín" - Jean-Charles Forgeronne

Durante 250 anos, entre os séculos XIII e XV, muçulmanos, cristãos e judeus viveram em harmonia no pequeno reino de Granada e as suas muralhas albergavam 300 000 habitantes que fizeram da cidade um centro de cultura, ciência e arte, hoje um autêntico museu a céu aberto... A bela Granada, espraiada por sete colinas, deve o seu nome ao latim granatum que significa romã, granada em espanhol, esse fruto originário da antiga Pérsia e que os árabes trouxeram consigo para a Peninsula Ibérica... Mas há também quem ache que o nome deriva do árabe gar-anat, que significa "cidade dos peregrinos", pessoalmente acho mais agradável e saborosa a primeira hipótese mas também esta não destoa já que hoje Granada continua a ser um centro de peregrinação, milhares e milhares ali chegam em busca da beleza e da espiritualidade...

"As granadas de Granada" - Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha
(Viajante de Valmedo)

terça-feira, 15 de outubro de 2024

 

EFEMÉRIDE # 106

UMA MAGNÓLIA EM GRANADA


Jason Molina em Granada
Passam hoje exactamente 21 anos que Jason Molina passou por Málaga, com os seus Magnolia Electric Company, pela Blaja Planta, a sala de concertos granadina que equivale ao nosso Rock Rendez-Vous ou ao Bang Venue... 
Que fique bem claro, eu não estive lá, nem me lembro sequer onde é que estava nesse dia a essa hora, mas do que tenho a certeza é que, se por acaso e por alucinação, ao deambular pelos bairros árabes de Albaicín ou de Sacromonte desse de caras com o génio da lâmpada e ele me colocasse de chofre a escolha dos não-sei-quantos-desejos, não me ocorreria então melhor escolha do que pedir uma viajem no tempo e assistir a esse espectáculo... Porquê? E porque não?


                                                                                             Magnolia Electric Company - Granada


"Baja Planta", Granada - Jean-Charles Forgeronne

Molina foi um génio menosprezado, viveu apenas 39 anos devido a problemas de saúde relacionados com o abuso do álcool, dizem alguns, mas a causa da sua morte também poderia ser a crónica melancolia de que sempre padeceu, vale ao menos que essa sua corrosiva e visceral tristeza o terá impelido para a criação, quer de pérolas musicais alicerçadas nos blues e no country quer de jóias poéticas, menosprezadas... Também dizem que Molina era um erudito devido à sua paixão pelos livros, ele que foi um autêntico nómada, chegou a confessar numa entrevista que na sua curta existência teria vivido em mais de 30 (!) cidades e que em muitas delas exerceu o cargo de bibliotecário...  É obra, para ser estudada... E ouvida!


JoãoSem Dó
(Musicólogo de Valmedo)

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

 

CURIOSIDADES DO MUNDO-CÃO LI


52 HERTZO BICHO MAIS SOLITÁRIO DO MUNDO


Vai chovendo lá fora como há muito não acontecia, estou de comando na mão e esparramado no sofá tentando ignorar um ligeiro sentimento de culpa porque muitas coisas havia para me ocupar o tempo mas indulto-me porque estou derreado após um treino de natação madrugador e agora parei o zapping ao reparar num episódio do CSI que nunca tinha visto e numa cena em que o detective e entomologista Gil Grissom vai contando ao assassino terrorista uma história maravilhosa sobre uma baleia: 

"Há um grande mamífero no oceano, a baleia dos 52 hertz, durante todo o ano ele pratica a canção de amor dele para a fêmea, viaja milhares de quilómetros para encontrá-la, mas quando tem a oportunidade de lhe fazer uma serenata ela não responde. A sua canção de amor é cantada a 52 hertz, uma assinatura sónica uma nota acima do som mais baixo de uma tuba. Uma fêmea ouve entre os 10 e os 15 hertz. Ela não ouve e ano após ano, durante 100 anos, ele canta a sua canção mas nunca tem resposta. Eventualmente, acaba por morrer, sozinho para sempre. Chamam-lhe a baleia solitária."

(CSI, Temporada 16, episódio 2)



Vamos a factos: aquilo que o detective e rosto principal da série afirma é de facto uma curiosidade verdadeira do mundo-cão, a baleia 52 hertz foi descoberta em 1989 no oceano Pacífico por cientistas do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, nos USA, é um espécime único de baleia, ou seja, é apenas um único individuo que canta nessa frequência e tem sido rastreado anualmente entre Agosto e Dezembro nas suas viagens entre as ilhas Aleutas e a costa sul da Califórnia; nesses seus passeios nada entre 30 a 70 Km por dia, podendo viajar num só ano mais de 11000 Km! Entre Dezembro e Agosto, embora provavelmente continue a cantar fica em parte incerta e fora do alcance da curiosidade dos cientistas; a baleia nunca foi vista, apenas ouvida, não se sabe sequer se é mesmo uma baleia embora seja bastante provável, mas quem sabe se não será uma espécie desconhecida? Alguns especialistas argumentam que pode ser um exemplar com alguma malformação que lhe afecte o seu canto ou então que possa ser um híbrido de baleia-azul com baleia-comum... Certo mesmo é que é a baleia mais solitária do mundo e durante toda a sua vida, que pode atingir os 100 anos! Já quanto ao facto de na série se aludir à baleia 52 Hertz como um macho romântico e infeliz isso decorre da ficção, havia que explorar os motivos do assassino, uma alma solitária também com uma paixão obsessiva não correspondida...


Realidade e mistério à parte, só depois me ocorreu que estava a ver o último episódio de uma série icónica que perdurou ao longo de 15 anos (!), entre 2001 e 2015, com palco na cidade do pecado, Las Vegas, e que foi preenchendo parte significativa não só da nossa vida como também da nossa relação com a TV, um sucesso estrondoso que levou à produção de dois outros famosos spin-offs, isto é, derivados, CSI Miami e CSI Nova Iorque. É verdade que tanta trama policial levou à exaustão e ao definhamento do modelo mas fica para história o entretenimento, o deleite visual e a descoberta já que braço dado com o crime e o mistério éramos confrontados com muitas curiosidades científicas, ou não fosse a personagem de Gil Grissom inspirada num entomologista e investigador que de facto existiu e que, tal como o detective da série, mantinha larvas e sangue de porco no frigorífico! Para o que desse e viesse...


João Abelhudo
(Investigador de Valmedo)