quinta-feira, 28 de março de 2024

 

O JARDIM DAS MEMÓRIAS


Revivo o maravilhoso passado ao longo da margem esquerda do Almonda, comecei este lento passeio junto à Ponte do Raro que servia de medida às grandes cheias de outrora, cheia era cheia quando as águas revoltas ficavam a menos de dois palmos de a galgar, e é ali que começa o jardim, com o beneplácito do mestre pintor Carlos Reis, uma das glórias de Torres Novas e que parece perscrutar o horizonte em busca de algo para retratar, hoje chamam-lhe o Jardim da Avenida mas dantes era apenas o jardim...O rio continua o mesmo, beijado pelos eternos e frondosos chorões e serpenteando sereno até saltar o açude, mantém-se pejado de gansos e patos passeando as suas crias mas há uma coisa que lhe dava outro encanto e que já não existe: os barcos a remos! Era obrigatório, quase uma praxe, no inicio dos períodos de aulas ir passear de barco em aventuras onde se desafiava a perícia com os remos ou então se treinava a oratória romântica com as meninas do colégio...   


"Barcos no Almonda" - Postal antigo

Renovados e limpos os lavabos públicos ainda funcionam e também eles reflectem a aura romântica do local ao ostentarem nas paredes juras de amor e projectos de paixão eterna... Encostados à margem ali continuam os mesmos bancos circulares onde tantas vezes me sentei, forrados a azulejos com desenhos de animais e flores, e até os canteiros de flores bem tratados parecem não ter mudado com os anos... Mesmo a meio, chegado ao velho quiosque onde ainda muito menino convencia por vezes a minha mãe a comprar-me um livro de cowboys, viro-me para o cimo da avenida que lembra a revolução e lá se vislumbra a imponente fachada da antiga Escola Industrial e Comercial e que agora tem o nome de outra figura torrejana ilustre, agora chama-se Escola Secundária Maria Lamas, lembranças perdidas no tempo me assaltam mas há que continuar... 


"Sob as glicínias" - Jean-Charles Forgeronne

Passo agora pelas piscinas, dantes ao ar livre e agora cobertas, lá estão as pranchas abandonadas, hoje em dia ninguém ensaia piruetas ou saltos mortais como dantes... Na outra margem e à sombra da colina do castelo espraia-se o recente Jardim das Rosas mas é este lado que me encanta, especialmente este passeio por debaixo das pérgulas de onde caiem glicínias com os seus enormes cachos de flores roxas. Chego então ao açude, onde antes se alugavam os barcos, e é tempo de tomar um café na esplanada do Toni, observando os estranhos que passam e os edifícios do outro lado da rua... 


"Altos voos" - Jean-Charles Forgeronne

É tempo de regressar, agora pela outra margem e pelo caminho se encontra outra vez Maria Lamas, agora pichada numa parede com as mulheres pelas quais lutou...


"Mulher, mulheres" - Jean-Charles Forgeronne

João Palmilha

(Viajante de Valmedo)

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