quarta-feira, 9 de julho de 2025

 
EFEMÉRIDE # 111

O DIA EM QUE A ILHA VEIO ABAIXO...

De vez em quando a Terra espreguiça-se e treme para nos mostrar como somos pequenos e vulneráveis, quais ácaros na pele de um monstro levamos com uma valente coçadela e o mundo muda num instante, são avisos para nos levar a pensar que controlamos muito menos do que aquilo que pensamos e para isso basta lembrarmo-nos do que aconteceu exactamente há 27 anos atrás nos Açores...

"Antes..."
De facto, no dia 9 de Julho de 1998, as ilhas do Faial, Pico e São Jorge tremeram e muito por causa de um violento sismo que abalou em particular a zona da Ribeirinha, no Faial... A Igreja de São Mateus, por exemplo, que já tinha sido completamente destruída noutro sismo em 1926 e que, apesar do insuficiente apoio estatal e graças sobretudo ao empenho e às contribuições da população durante oito anos, tinha sido teimosamente reconstruída e reerguida exactamente no mesmo local, acabou por ser novamente destruída! E assim continua nos dias de hoje, em escombros, à espera de uma nova vida, diz-se que talvez ressuscite noutro local da freguesia, noutro sítio talvez mais abençoado... Por enquanto ali resta o esqueleto do templo, afinal uma memória bem viva da tragédia, um aviso para a efemeridade das coisas...

"Agora..." - Jean-Charles Forgeronne

"Antes..."
Também o Farol da Ponta da Ribeirinha não resistiu ao sismo de 1998 e por lá continua em ruínas...  Tendo iniciado funções em 1919, com a sua torre quadrangular de 20 metros de altura e quatro moradias anexas para alojamento de faroleiros e respectivas famílias, o farol, imortalizado por Vitorino Nemésio na sua obra maior "Mau tempo no Canal", foi durante décadas um fiel guia das embarcações que durante a noite demandavam as águas que unem as ilhas do Triângulo, Faial, Pico e São Jorge...


Hoje em dia quem orienta os marinheiros nocturnos do triângulo é um farolim instalado numa coluna metálica branca com 5 metros de altura, vai servindo mas perdeu-se o romântico encanto... 

"Memória..." - Jean-Charles Forgeronne

João Alembradura
(Historiador de Valmedo) 

"Marina da Horta" - Jean-Charles Forgeronne

 


 NA HORTA, COMO UM MARINHEIRO...

Como um marinheiro cheguei à Horta, de barco, a bordo do Gilberto Mariano, um ferrie que pode transportar quase 300 passageiros e uma dúzia de viaturas e assim baptizado em homenagem àquele que durante décadas foi um herói das travessias diárias entre o Pico e o Faial para entrega de correspondência, encomendas e o que mais houvesse...
Mantenho-me sentado, serei, qual indómito capitão, dos últimos a sair, não tenho pressa nem maleita, a travessia apanhara mau tempo nos dois canais e agora, espreitando por entre muitos passageiros ainda cambaleantes e de saco de vómito na mão como se de um troféu se tratasse, quais zombies, vou vislumbrando ao longe o casario e a marina aos pés do Monte da Guia...   

"O Mariano ancorado" - Jean-Charles Forgeronne 

Devido à sua divina localização a meio do Atlântico, a marina da Horta é uma das mais famosas e procuradas do mundo, porto de abrigo de muitos iatistas e e aventureiros de todos os cantos do planeta que vão deixando nos muros e no chão os testemunhos da sua passagem, também por recordação futura mas especialmente por temerem a lenda que vaticina de que se não o fizerem não chegarão ao seu destino... E consta que não há marinheiro que não acredite no destino!


Depois de percorridas em passo lento e atento a marina e a marginal, apertando a fome nada melhor que abancar no Café Porto Pim e à custa de uma generosa tosta mista e de uma cerveja fresquinha no ponto deixarmo-nos enlevar pela vista da montanha e da formosa baía, isto se não formos distraídos por um bando de irrequietos e afoitos pássaros que com uma desconcertante familiaridade poisam na nossa mesa à cata de migalhas... 


E mesmo que nos tenhamos esquecido do livro que andamos a ler demasiado devagar devido às exigências da viagem, ou do bloco de notas onde registamos impressões para não as darmos como perdidas logo na manhã seguinte, há sempre mensagens que nos captam a atenção e nos fazem sonhar... 


João Palmilha
(Viajante de Valmedo)